No mercado de longevidade, todo negócio nasce com um porquê. Na história da Gero360, o desafio familiar logo se revelou uma oportunidade de impacto.
Dona Elisa Porto sempre foi uma mulher ativa. Viúva desde os 38 anos, com oito filhos para criar, Elisa sempre priorizou o cuidado da família, em uma rotina ativa e bastante independente. O tempo passou, os filhos cresceram, formaram novas famílias e Dona Elisa foi morar sozinha, sempre zelando pela própria independência. Até que a idade chegou.
Aos 60 anos, o coração pedia cuidados: passou por três intervenções cirúrgicas. Aos 84, as pernas perdiam a força: desenvolveu uma doença autoimune conhecida como Síndrome de Sjögren. Apesar dos sinais do corpo, a cabeça permanecia em pleno funcionamento. Chegou a morar com um dos filhos por dois anos para se recuperar. Mas logo quis voltar ao seu próprio apartamento. Era preciso, então, encontrar uma equipe de cuidadores que ficassem ao lado dela, dia e noite.
A história da família Porto é também a história de muitas outras famílias. Mudam-se as doenças e a rotina de cuidadores, mas a necessidade do cuidado aumenta com a idade, na mesma intensidade do carinho.
Uma rotina como essa não dá margem para erros: os remédios precisam ser tomados na hora certa, os exames feitos periodicamente e qualquer oscilação da pressão pode ser indicador de algo mais grave. Um dos filhos de Dona Elisa, Leônidas Porto, passou a tratar esse assunto com olhos de gestão: a gestão do cuidado. Criou planilhas de acompanhamento das cuidadoras, calendário para consultas médicas e processos que assegurassem uma distribuição de tarefas entre os oito irmãos.
Sua experiência como diretor de tecnologia de gestão na rede D’OR, até 2014, e a proximidade com o mercado de saúde fizeram Leônidas perceber que o desafio de sua mãe também poderia ser o de milhões de outras famílias. Surgia assim, em 2016, o embrião da Gero360, uma plataforma para gestão do cuidado e bem-estar dos idosos.
A oportunidade de 30 milhões
Os sinais do mercado são claros para quem é capaz de enxergá-los. Ao todo, a população idosa já representa 15% do total, somando mais de 30 milhões de pessoas, um total que, segundo o IBGE, só seria alcançado em 2025. Apesar disso, o mercado não acompanha a velocidade das transformações sociais.
Segundo estudo feito pelo Hype60+ e a MindMiners, no início de 2018, quase 60% dos idosos reclamam da falta de produtos e serviços adequados às suas necessidades.
Diante dessa escassez de bons negócios, Leônidas encontrou um oceano azul. As planilhas criadas em casa viraram o MVP para o aplicativo de gestão da rotina de cuidados dos 60+. Nele, surge o conceito inédito de Círculos de Cuidado. Em uma mesma plataforma, familiares, cuidadores, médicos e fisioterapeutas têm acesso compartilhado às informações diárias do idoso, acompanhando mais de perto sua rotina e trabalhando juntos para melhorar seu bem-estar.
Além do registro de medições vitais como pressão arterial, temperatura, frequências cardíaca e respiratória, o aplicativo define também lembretes e alertas para administração dos medicamentos e uma agenda compartilhada de exames médicos, consultas, lazer e outros compromissos. Dessa forma, se o exame de sangue apresenta uma alteração, o médico especialista sabe se isso está relacionado a um remédio que não foi administrado corretamente ou se é algo a ser investigado.
O que Leônidas percebeu ao modelar o negócio da Gero360 é que, no mercado de longevidade, colaboração é palavra-chave. Para desenvolver o aplicativo e gerenciar a equipe de desenvolvimento, ele contou com a sociedade de Marcelo Miranda, especialista em tecnologia. Mas seria preciso também um olhar médico para criar um produto centrado no usuário. Algumas indicações de amigos os levaram a conversar com Virgílio Garcia, geriatra que, viriam a descobrir depois, tratava os avós de sua esposa. Mais uma pessoa para o time da Gero.
Nesse meio tempo, juntou-se à equipe Ricardo Hoerde, designer responsável pela usabilidade do aplicativo e filho de Leônidas, e Ana Paula Neves, esposa de Leônidas, que entrou para liderar a estratégia de Marketing e RH da startup. O parentesco que envolve cada um dos sócios reflete o clima familiar com que a Gero360 foi criada.
Como a própria Ana Paula diz, “esse é mais do que um negócio, é o projeto de nossas vidas.”
Essa afirmação, definitivamente, não é da boca para fora. Para os empreendedores, o teste de conceito é rotina familiar. Não é preciso mapa de empatia, entrevista com usuários, nem desk research, já que cada um dos sócios, à sua maneira, busca novas formas de conviver com a longevidade.
São mães, avós e sogras que enfrentam, diariamente, os novos desafios do envelhecimento — e indicam as oportunidades de mercado para a Gero360. Dessa convivência, surgiram algumas funcionalidades como o “cuidado ativo”, uma chave do app que direciona os alarmes e lembretes a quem é o cuidador da vez — função fundamental em uma família de oito irmãos, por exemplo.
O casal Ana Paula e Leônidas também são um bom exemplo disso. Os dois dividem apartamento com a filha de 14 anos e duas mães: Dona Manuela, uma senhora ativa de 69 anos, retrato dos novos maduros, e Dona Elisa de 86, que inspira mais cuidados. Para Ana Paula, viver essa realidade em casa torna a missão da Gero360 ainda mais forte.
“Com a Gero360, nós queremos estimular as pessoas a encararem o desafio de cuidar de alguém com mais leveza. O aplicativo cuida dos aspectos burocráticos e trabalhosos da gestão do cuidado para que as famílias possam liberar o emocional e cuidar com mais empatia e boa vontade de seus idosos.”
Montando as bases para decolar
De abril de 2016 ao final do ano passado, a startup passou pelo período de incubação, aceleração e desenvolvimento do aplicativo. Lançado em novembro de 2017, nas versões para IOS e Android, o app já conta com 450 usuários ativos.
A aceleração pela qual passaram, no Startup Rio, formou também as bases para o crescimento projetado em 2018. O grande diferencial do modelo, percebido pelos empreendedores, está na mentalidade de “círculo de cuidados”. O que era uma forma de organizar a plataforma transformou-se também em estratégia de expansão.
O envolvimento de várias pessoas em torno do idoso permite o desdobramento do aplicativo em versões únicas para médicos, profissionais de saúde e familiares, atendendo às necessidades de cada um no cuidado dos idosos. A intenção dos empreendedores é lançar futuras versões da plataforma no modelo Premium.
Hoje, cinco meses após o lançamento do aplicativo gratuito, o time da Gero360 já está envolvido em um novo projeto. Uma plataforma de gestão de medicamentos para ILPIs (Instituições de Longa Permanência de Idosos) que está em fase de validação para ser lançada ainda esse ano. O objetivo é expandir a gestão do cuidado do nível familiar para o nível organizacional, por meio de um SaaS, o primeiro passo para a monetização do negócio.
O plano de crescimento e os resultados iniciais tão promissores da Gero360 foram destaques na 1ª Chamada de Negócios da Longevidade, organizada pelo Aging2.0 São Paulo, Ativen e Hype60+.
A startup foi considerada, entre as 141 empresas mapeadas, uma das mais inovadoras do ecossistema de longevidade no Brasil.
Por essa conquista, os empreendedores foram reconhecidos no último dia 18 de abril, durante o evento de premiação. Além de mentorias exclusivas com especialistas do chamado mercado prateado, eles ganharam também uma estação de trabalho no coworking Civi-co, em São Paulo, para desenvolverem a empresa sem custos de infraestrutura.
O modelo de negócios da Gero360 é uma combinação única entre a necessidade real das famílias cuidadoras e um produto digital centrado no público 60+. Leônidas, Ana Paula e seus sócios enxergaram essa oportunidade dentro de casa. E fizeram dela um negócio escalável. Assim como eles, o empreendedor atento verá, também, no mercado sênior uma infinidade de novos modelos a serem criados — transformando, assim, o modo como encaramos a longevidade no Brasil.